sexta-feira, 18 de junho de 2010

Pesquisa sobre os heterónimos

ALBERTO CAEIRO, a arte de ser

Alberto Caeiro nasceu em Lisboa, a 16 de Abril de 1899. Era órfão de pai e mãe, por isso, mudou-se para o campo onde viveu até ao fim da sua vida. Era louro, de olhos azuis, tinha apenas a 4ª classe e nunca trabalhou.
Alberto Caeiro é o pretenso mestre dos outros heterónimos e também do ortónimo. Surge-nos assim uma visão ingénua, instintiva, entregue à variedade do espectáculo de sensações, nomeadamente visuais, que desfruta do seu rural perfeito. Para Caeiro, o real é a própria exterioridade sem qualquer tipo de subjectividade. É antimetafisico, contra a interpretação do real pela inteligência porque, a seu ver, a inteligência reduz as coisas a simples conceitos.

"(...) Há dois Caeiros, o poeta e o pensador, sendo o primeiro que em teoria se desdobra no segundo. Os motivos fundamentais do poeta consistem na variedade inumerável da natureza, nos estados de semiconsciência, de panteísmo sensual, na aceitação calma e gostosa do mundo como ele é. (...)
Caeiro, segundo a imagem que dá dele próprio e segundo invocação de Campos, (...) Vive de impressões, sobretudo visuais e goza em cada impressão o seu conteúdo original. (...)
Campos, num poema que dedica à sua memória, define-o pela 'atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo'. (...) Caeiro não admite a realidade dos números e não quer saber de passado nem de futuro, pois recordar é atraiçoar a natureza (...) e o futuro é o Campo das conjecturas, das miragens. Ora, Caeiro é um poeta do real objectivo. (...)"

Jacinto Prado Coelho, "Alberto Caeiro", in Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, 4ª edição, Lisboa, Ed.Verbo, 1973 (texto com supressões)

"Logo no começo do poema 'Guardador de Rebanhos' se declara pastor por metáfora (aqui desponta o 'poeta bucólico de espécie complicada' que Pessoa, segundo a carta a Casais Monteiro, quis inventar para pregar uma partida a Sá Carneiro). De pastor tem o deambulismo, o andar constante e sem destino, absorvido pelo espéctaculo da inexaurível variedade das coisas: 'Minha alma é como um pastor,/Conhecer o vento e o sol/ E anda pela mão das estações/ A seguir e a olhar'. Anda a seguir, passivamente, como espírito concentrado numa actividade suprema: olhar. Os seus pensamentos não passam de sensações. Vive feliz como os rios e as plantas, gostosamente integrado nas leis do universo. Não havendo para ele passado nem futuro, compreende-se que duvide do próprio eu. O retrato de Campos, uma vez mais, coincide com este modelo: Caeiro limita-se a existir tendo nos lábios um sorriso 'que se atribui em verso ás coisas inanimadas belas, só porque não agradam - flores, campos largos, águas com sol -, um sorriso de existir, e não de nos falar'. Às vezes o seu misticismo naturalista leva-o a desejar dispersar-se, a desejar transformar-se num rebanho, 'Para andar espalhado por toda a encosta/ A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo'. Ou então deita-se na erva (consta da 'biografia' que vive no campo, com uma tia velha, numa aurea mediocritas horaciana) e o seu corpo 'pertence inteirnamente ao exterior', sente a frescura cheirosa da terra, só ouve ruídos indistintos, ficou-lhe apenas 'um resto de vida'."


Jacinto Prado Coelho, op. cit., pp. 21-22

Características essenciais de Alberto Caeiro:

* Identifica-se com a natureza e vive de acordo com as suas leis;
* Despersonalização, desejo de fusão com a natureza;
* É instintivo e espontâneo;
* Objectivo;
* Natureza para usufruir, não para pensar;
* Abre-se para o mundo exterior;
* Recusa a introspecção (pensamento) e a subjectividade;
* Antimetafisico "Eu não tenho filosofia, tenho sentidos"
* Sensacionista;
* Vive o presente, o momento;
* Defende a existência em detrimento do pensamento;
* Faz poesia instintiva e involuntariamente;
* Transforma o abstracto no concreto;
* Linguagem simples, familiar e denotativa;
* Poeta bucólico do real objectivo;
* tudo se resume aos sentidos "os meus pensamentos são todos sensações, / Penso com os olhos e com os ouvidos/ E com as mãos e os pés/ E com o nariz e a boca"


RICARDO REIS, a arte de viver

Ricardo Reis nasceu no Porto a 19 de Setembro de 1887. Teve uma educação clássica, de raiz greco-latina acabando por formar-se em Medicina. Acabou por exilar-se no Brasil, devido aos seus ideais monárquicos, em 1919.
Ricardo Reis é o poeta clássico da serenidade epicurista. Aceita com calma, lucidez a relatividade e a fugacidade das coisas. Defende a busca de uma felicidade relativa, alcançada pela indiferença à perturbação. O poeta adopta a filosofia de epicurista triste, defendendo o prazer do momento, Carpe Diem, no caminho da felicidade sem lugar aos instintos. Apesar da procura do prazer e da felicidade, considera que nunca se consegue alcançar a ataraxia, (tranquilidade sem espécie de perturbação). A vida tem que ser vivida em conformidade com o destino, indiferente à atracção que o prazer fácil oferece. Assim, Ricardo Reis sofre com a dor da miséria estrutural, do destino, da morte e da efemeridade da vida. Por isso, procura um remédio na filosofia tentando aceitar com altivez o destino que lhe é imposto, fazer da vida uma arte, compensando a sua imperfeição com a criação artística, encarando o mundo com lucidez e tendo consciência de que a vida terrena é o bem que possuímos.

"A ressonância moral da poesia de Reis, 'pagão por carácter', na definição de Campos, traduz-se num estilo denso e construído. Monárquico, educado num colégio de Jesuítas, latinista e semi-helenista, amante do exacto, autor das Odes evidencia um espírito grave, medido, ansioso de perfeição. Como Caeiro, seu mestre, aconselha a viver calmamente a ordem das coisas. Não queiramos 'mais vida/ Que a das árvores verdes.' Ambos elogiam a magna quies do viver campestre, indiferentes ao social, convencidos de que a sabedoria está em gozar a vida pensando o menos possível. Mas Caeiro, pelo menos o Caeiro ideal, é o homem ingénuo, aberto, expansivo, contente por natureza; o prazer vem ao seu encontro, prazer de ver e de sentir-se existir; deixa-se com alegria vogar no rio das coisas, o próprio estilo dos versos descritivo ou discursivo, é quse prosa, caminha direito e desenvolto sem custo, sem nada que embarace a sua naturalidade. Reis não: é um homem de ressentimento e cálculo, um homem que se faz como faz como faz laboriosamente o estilo. (...)"
Jacinto Prado Coelho, "Ricardo Reis" in Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, 4ª edição, Lisboa, Ed. Verbo, 1973 (texto com supressões)

Epicurismo
"(...) baseada num ideal de sabedoria, segundo o qual a felicidade, ou seja, a tranquilidade da alma (ataraxia) é o objectivo da moral;"
Elisabeth Clément et. al., in Dicionário Prático de Filosofia, Ed. Terramar, 1994 (texto adaptado e com supressões)

Estoicismo
"(...) dominar as suas paixões, que apertam a alma em vão, amedrontada pelos fantasmas da imaginação"
Elisabeth Clément et. al., in Dicionário Prático de Filosofia, Ed. Terramar, 1994 (texto adaptado e com supressões)



Características básicas de Ricardo Reis:

* Poeta nebuloso e fatalista virado para o passado;
* Vasta cultura;
* Desencantado pela transitoriedade e efemeridade da vida humana, tendo por isso uma constante desistência de viver: "Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio";
* É um moralista;
* Dramatiza o pensamento;
* Receia a velhice e a morte;
* Recusa as grandes emoções e as paixões por considerar que tiram a liberdade ao homem;
* Considera que a sabedoria consiste em gozar a vida moderadamente e através do exercício da razão;
* Segue as filosofias do epicurismo, do estoicismo e do Carpe Diem;
* Presença do isolacionismo e do simbolismo: o "rio" - a efemeridade; o "barqueiro" e a "sombra" - a morte; o "fado" - o destino; as "flores", o "perfume" e o "enlaçar das mãos" - a amizade;
* o fado opõe-se à liberdade e não se pode fugir dele; as pessoas são marcadas pelo fado e é ele que as leva à morte: viver em função do destino;

ÁLVARO DE CAMPOS, uma arte de sentir

Álvaro de Campos nasceu em Tavira a 15 de Outubro de 1890. Formou-se em Engenharia Naval, em Glasgow, na Escócia. Era alto, magro e usava monóculo.

"(...) Campos é um indisciplinado por natureza: dos Românticos herdou a indisciplina da subjectividade, a gaguez do eu. Em Walt Whitman, seu mestre, a quem deu o braço e chamou camarada, saudou a infracção a todas as regras: as da vida e as do verso. Por isso, usou sobretudo o verso solto. Quando rimou e contou sílabas errou, de propósito: criou propositadas dissonâncias (como confessou) - ele próprio chamado à atenção para o seu 'verso errado'. Pessoa maneja na perfeição o metro e a rima como quem burila uma parede preciosa até lhe arrancar o seu mais vivo fulgor. Para Campos, a métrica e a rima são sempre gaiolas: 'Como se pode senir nestas gaiolas?'. (...)"


Teresa Rita Lopes, Prefécio de Álvaro de Campos - Livro de Versos, ed. crítica, 3ª edição, Referência/Ed. Estampa, 1997 (texto com supressões)

"Ideologicamente, o Futurismo adopta posições antiburguesas, subversivas e provocatórias. Num tempo atravessado por tensões sociais e por sombrios prenúncios de violência - o tempo imediatamente anterior à primeira guerra mundial e também aos anos que se lhe seguem -, o Futurismo valoriza o sentimento da revolta, a velocidade, a técnica, a intensidade e a rapidez das comunicações; simultaneamente e orientando-se por atitudes políticas de índole autoritária, o Futurismo celebra o vigor destrutivo da guerra. (...) O tom exclamativo e entusiasta dos manifestos - manifestos que por natureza se ajustam à enunciação dos principios programados - é outra evidencia da agressividade futurista; uma agressividade que, unida também, nalguns casos, a uma certa inconstância e até a contradições ideológicas, vocaciona o homem futurista para a polémica, para a ruptura, para a formação de grupos aguerridos (muitas vezes agregados em torno de revistas de manifestos) e, não raro, fechados sobre si mesmos."

Carlos Reis, in O Conhecimento da Literatura, pp. 471-473

Álvaro de Campos comporta na sua obra três fases:

*Decadentista

"E eu vou buscar ao ópio que consola/Um Oriente ao oriente do Oriente./Moro no rés-do-chão do pensamento/E ver passar a Vida faz-me tédio./A minha pátria é onde não estou"

Características fundamentais:

* Sentimento de tédio, enfado, náusea, cansaço, abatimento e necessidade de novas sensações;
* Abulia;
* Reflexo de uma falta de sentido para a vida recorrendo à fuga e à monotonia (ópio)
* Busca de evasão
* Procura de sensações novas


*Futurista/Sensacionista

"Sentir tudo de todas as maneiras./ Viver tudo de todos os lados./Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo."

Características fundamentais:

* Poesia repleta de vitalidade;
* Predilecção pelo ar livre e pelo belo feroz;
* Elogio da civilização industrial, moderna, da velocidade e das máquinas, da energia e da força, do progresso;
* Poeta virado para o exterior, que capta tudo através dos sentidos mas que rejeita o pensamento:
* Estilo esfuziante, torrencial, exclamativo, interjectivo
* Processos de escrita simples de forma a realçar o sensacionismo;
* Desfilar irónico dos escândalos da época: desumanização, hipocrisia, pilhagens, escândalos, miséria, corrupção, prostituição, desastres, naufrágios;

*Intimista/Pessimista

"Estou doido a frio,/Estou lúcido e louco."

Características fundamentais:
* Incapacidade de realização - abatimento
* Poeta vive rodeado de sono e cansaço, revelando revolta, desilusão e inadaptação;
* Desânimo e frustração;
* Sente um vazio após uma caminhada heróica;
* Decaído, melancólico;
* Incompreendido;
* Dor de pensar e saudades da infância (Pessoa ortónimo)
* Recusa a estética, a moral, a metafisica, as ciências, as artes, a civilização moderna;
* Apela ao direito à solidão;

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